CATARINA


Sabe quando você está assim sei lá? Então, eu estou assim. Parece-me que as coisas não estão fluindo. A minha impressão é que tudo o que eu faço não está bom para a Catarina. Sequer estou conseguindo escrever. Não durmo o famoso sono dos justos. Até durmo, mas acordo cansado e com sono. Não tenho disposição para nada, nem para o sexo. Eu era um leitor contumaz, não sou mais. Só sei trabalhar. Não estou desempenhando a minha função com diligência. Tornei-me um desidioso. A minha vontade era me tornar um vagabundo, sem rumo determinado, que perambula por aí.

Catarina esqueceu-se de mim, não me procura, não me deseja, não sente mais excitação. Claro que ela não liga mais pra mim, perdi o apetite sexual, não tenho mais ereções como tinha antigamente. Estou doente. Minha diabete está mal controlada. A falta de controle acarretou na impotência sexual. Eu até controlo o açúcar, não sou de comer doces, mas como muita massa e tomo bastante cerveja. Na verdade, bebo para esquecer. Bebo para esquecer o desdém de Catarina.

Catarina era a mulher dos meus sonhos. Branquinha, cabelos pretos, seios médios, cintura arredondada, rosto angelical. Conheci-a na escola. Eu estava no segundo e ela estava no primeiro ano do ensino médio. Encontrávamo-nos no intervalo juntos aos pés de amora sob a sombra de uma mangueira. Eu subia ao terceiro céu quando Catarina me beijava. Éramos um casal de jovens apaixonados. Quanta lembrança boa! Aproveito para me lembrar dos bons tempos enquanto tenho memória, pois fui diagnosticado com começo de Alzheimer.  

Catarina e eu cursamos Direito. Esperei um ano para que pudéssemos ingressar juntos na faculdade. Os cinco anos voaram! Começamos a advogar em 1981. Militávamos na área trabalhista. Catarina era perspicaz, inteligentíssima, dominava o vernáculo. Do início a 1997 construímos um patrimônio de um bilhão de reais. O nosso escritório era o maior da cidade com cinco advogados – fora ela e eu -, 15 estagiários, uma secretária e duas senhoras que nos ajudavam na limpeza.

O nosso declínio começou em 1998 quando Catarina descobriu que eu a traía com uma colega advogada. Minha mulher não quis o divórcio, uma vez que havíamos casados sob o regime de comunhão universal de bens. Mantivemos o patrimônio sólido, porém fui afastado das atividades do escritório. Tornei-me um preso em minha própria casa, prisão domiciliar. Tentei me reaproximar da minha esposa, no entanto, ela não quis saber de mim. 

Estamos nessa vida há 20 anos. A minha existência perdeu o significado. Não vivo, apenas sobrevivo. Não advogo mais, contudo, faço uns biquinhos de pintor só para ter o que fazer. Nem pintar estou conseguindo direito porque a bebida me atrapalha bastante. De quando em quando Catarina me procura, só quando ela não aguenta. Deixo ao lado da minha cama um copo com água e um azulzinho. Ela entra no meu quarto sem falar nada, tira a roupa e deita do meu lado. Tomo o comprimido, tiro o meu pijama e vou por cima dela na posição “papai e mamãe”. Não nos beijamos. Eu ejaculo e logo ela sai. No outro dia fingimos que nada aconteceu. Tento agradá-la de todo jeito, porém ela não se agrada, ou, pelo menos, finge que não.

Contento-me com o que restou. Aceito as migalhas que a Catarina me entrega. Não a culpo. A culpa foi minha, totalmente minha. Fui eu que troquei uma vida inteira por momentos de mero prazer sexual. Catarina por causa da correria do dia-a-dia não quis ter filhos, ainda bem! Não gostaria que a minha prole visse o que fiz. Tenho vergonha de mim. Na verdade, tenho nojo, asco. Vou morrer daqui a pouco, espero! A doença de Alzheimer vai se agravar cada vez mais e, finalmente, o peso da vida de Catarina terá um fim.


Luís José Braga Júnior


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