SÉRIE: NOSSA GENTE: A nota de sua vida - Eduarda Santos

   Margarete se lembrava claramente da sensação que sentia, todas as vezes que os seus dedos deslizavam nas teclas do piano, era como se por um segundo o mundo desaparecesse. As notas musicais funcionavam como um elixir para a sua alma despedaçada.
                Às vezes tudo que carregamos em nosso peito, é dor, e nos tornamos reféns dela. Margarete queria expulsar para longe a sua tristeza, se fosse possível mandaria para alguém que deslumbra um sorriso verdadeiro todos os dias.
                 Desde que o câncer no pulmão levou o seu pai para bem longe de sua presença, ela se afoga nas musicas. Tocou tantas vezes ‘’Gloomy Sunday’’, que está cogitando seriamente a hipótese de se entupir de remédios para curar essa obsessão.
                 O seu pai, um homem bom e honesto, nunca deixou de tocar. Até mesmo quando estava doente, apesar de sua fraqueza e indisposição, não se separou de seu piano. Morreu feliz, pois no seu ultimo suspiro, morreu tocando.
                  E Margarete sabe que precisa ser muito mais forte que a sua indisposição, que a sua doença.
                   Der repente os seus dedos deslizam desgovernados, errando todas as notas da musica. Ela tenta se controlar, mas o seu corpo falar por si. Sem mais forças, sem controle algum, desaba no chão
                      -Oh, Margarete.        
                     Automaticamente, reconheceu a voz que falava atrás de si. Era o Bill Darcy, um dos mais talentosos pianistas que já ouviu, ele nunca errou nenhuma nota. Toca com perfeição e magnitude
                    Ele segurou em suas axilas e a posicionou em seu colo. Ela pode ouvir as batidas de seu coração, a sua orelha estava diretamente em seu peito. Bill segurou fortemente em sua mão e interrompeu os seus movimentos.
                       -Solte-me, solte-me – queixou-se.
                -Não seria nobre de minha parte ver uma dama se machucando.                               
                  Ela respirou fundo e se acalmou , pouco a pouco o tremor parou.
                         -Pode me soltar- garantiu
                         -O que foi isso? –perguntou preocupado
                      Ela nem sequer conseguiu encará-lo, sentia tanta vergonha, era como se
seu corpo não abrigasse nenhuma vestimenta. Decidiu optar pela verdade, não faria sentido mentir
               -Sofro de mal de Parkinson.
                       Bill pareceu surpreso com a afirmação. Os olhos azul-turquesa pareciam perdidos em outra dimensão
                     -E cadê os medicamentos? – perguntou com certa perplexidade.
                       Ela apoiou as mãos no chão e se levantou.
                      -Não costumo trazer medicamentos quando estou ensaiando.
                       E sem se despedir, Margarete se afastou e foi para a casa.
                        Depois de uma noite tranqüila na sua cama aconchegante. Ela levantou-se com estupor e foi correndo para o banheiro se arrumar. Escovou os dentes, maquiou-se e vestiu o seu melhor vestido. Com passos apressa-dos se encaminhou até o teatro.
                        Chegando lá, o desgosto e a raiva assumiram o seu semblante. Bil Darcy estava tocando no piano, que petulância, logo ele que não errava uma nota sequer.
                        -Com licença, senhor Bill. Mas suponho que seja a minha hora de treinar.
                       Uma voz fria como o vento de uma geada ecoou atrás de Margaret. Era Jorge, o professor de música
                       - O senhor Bill será o nosso músico principal na apresentação do espetáculo “O lago dos cisnes”, e é realmente necessário que ele alcance a perfeição. Para tal feito, é imprescindível que a música o atinja de uma forma extremamente fugaz, provocando assim o sangramento de seus dedos e de sua pobre alma.
                           As palavras pronunciadas eram de cortar o coração, Margaret dedicou-se tanto para esse momento, e no final, ele era o escolhido. A sua vida estava desfigurada como uma orquestra sem maestro, ela queria estabelecer ordem...
      Mas como? Já estava chorando.
                        -Sinto muito, – disse Jorge, colocando a mão em seu ombro- infelizmente você não está preparada para esse momento, Margh. Talvez você nunca esteja. Infelizmente, essa maldita doença te impossibilita de desenvolver o seu talento.
                Era como ouvir “desista dos seus sonhos, você nunca será boa o bastante”. E de fato ela sabia que era isso, só que ele havia colocado as palavras de uma forma mais formal para não causar-lhe tanta dor.
                 Com o intuito de fugir das outras granadas que provavelmente seriam jogadas em seu coração, Margareth saiu daquele lugar. Simplesmente virou as costas e foi embora.  
                Os dias que se passavam fora do teatro, eram alarmantes. Como se sua alma estivesse lá toda saltitante e alegre, enquanto o seu corpo frágil era incorporado por uma profunda tristeza. Havia parado de comer, o seu corpo estava a ponto de não ser mais coberto por pele.
                O que a salvou da possível morte foi o telefonema que recebeu sexta a noite.
                -Olá – disse com um fio de voz..
               - Por favor, me diga que você está bem – disse Jorge aflito.
                Der repente a sua alma parecia ter voltado para o seu corpo, sua voz agora revelava uma esperança aveludada:
                 - Estou ótima!
                 - Preciso que você venha agora no teatro, você será a estrela dessa noite.
                 - Mas...
                - Venha agora!
                 Margaret correu para os seus sonhos e com um sorriso feliz chegou ao teatro.  Jorge logo a recebeu.
                -Vá com pressa até o camarim o figurino e a maquiadora está em sua espera. E me diga que sabe tocar “Theme from swan lake”, estou apostando tudo em você.
                Claro que sabia, o seu pai tocava essa música como tomava banho. Margaret apenas balançou a cabeça para Jorge e correu para o camarim.
                Chegando lá encontrou duas pessoas, Bill e a maquiadora. Ficou surpresa, pois ele estava bem e estava em sua frente.
              - O que houve?
             - Nada – respondeu com um sorriso...
              - Mas você ia tocar hoje...
              Bill pegou em suas mãos e olhou em seus olhos.
              - Quem tem que está lá é você, eu já te ouvi e posso garantir que o seu potencial é inexplicável, através de seu som, consigo sentir a sua alma velejando em um mar composto de dor. As outras pessoas precisam sentir isso também, vá até elas e despeje esses sentimentos.
               Um ato impensado a dominou e ela o abraçou durante alguns segundos, até ele se despedir com um beijo na bochecha.
                -Estarei na primeira fila – avisou, indo embora.
                 Quando já estava pronta, Margareth pensou no pai. A doença não poderia se manifestar nesse momento tão grandioso. Com um fagulho de nervosismo subiu ao palco, e viu diante de si uma multidão tão grandiosa quanto ao seu momento.
                 Sentou-se no banco e ficou de frente para o piano, alongando os dedos começou a tocar deixando se levar para a música e pela dor que a acompanhava. Quando as músicas são tristes, você precisa se tornar uma pessoa infeliz.. Era isso o que seu pai falava. Não era trabalhoso... afinal ela já era uma pessoa infeliz.
                   As notas brancas estavam manchadas com pequenos pingos vermelhos, o esforço era pra controlar a doença, mas tinha que admitir que era muito mais pela música mesmo. Estava sendo levada para um planeta desconhecido, os seus dedos lambuzados de sangue só provava que aquele planeta era o que valia a pena viver.

                    E quando o piano se silenciou, os segundos de lucidez a fizeram pensar o quanto havia sido perfeita. E então a sua alma soltou-se de seu corpo, e Margareth caiu no chão.  

Imagem da internet

Eduarda Santos é uma estudante apaixonada pela arte de escrever.



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